TERRAS DO DESEMBARGADOR 1904 A 1906
As Terras do Desembargador
foram um espaço desportivo fundamental para a evolução do futebol em Lisboa e
em Portugal. Como benfiquistas, não podemos deixar de lhe atribuir um carinho
muito especial, pois foi aí que nos iniciámos e nos tornámos... ganhadores!
No final do séc. XIX, Os
grandes jogos de futebol disputavam-se nos terrenos públicos das Terras do
Desembargador, junto ao Convento das Freiras Salésias, em Belém, isto após o
início da construção, em 1892, da Praça de Touros do Campo Pequeno, que era,
até essa data, o local de eleição para os jogos de futebol realizados na
Capital.
Ainda que esporádicos e sem
calendário pré-estabelecido (anunciados em "desafio" nas páginas da
imprensa lisbonense da época), os jogos de futebol atraíam às Salésias alguns
desportistas, mas principalmente a miudagem. Em domingos de jogos, a pequenada
de Belém e os casapianos do Restelo "caíam em cima das quatro linhas"
na ânsia de ver jogar futebol, mas principalmente para verem quem vencia - se o
que desafiava ou o que era desafiado. Depois imitavam os "heróis",
nas ruas ou no pátio da Casa Pia.
Foi
nesses terrenos que, em 13-12-1903, o Grupo de Belém, composto pelos três
irmãos Rosa Rodrigues (conhecidos por Catataus) e os seus vizinhos da Rua de Belém,
reforçados com ex-casapianos "bons de bola", venceram por 1-0, no
jogo-desforra, o Internacional (CIF), considerado na altura o melhor grupo
português de futebol (ainda que nele actuassem, também, jogadores ingleses).
No almoço que se seguiu ao
triunfo, foi proposto fundar um clube... só com portugueses! A vitória, que
provocou grande alvoroço em Belém, levou à intensificação dos treinos, ao
estreitar de relações entre os rapazes de Belém e os ex-casapianos e, alguns
meses mais tarde, à criação do nosso clube (28-02-1904). Após a fundação, na
área de Belém, as Terras do Desembargador foram um dos locais onde se
realizaram os primeiros treinos e onde se efectuou o primeiro jogo do nosso
clube (01-01-1905), em que vencemos o Grupo de Campo de Ourique, por 1-0.
Continuámos a jogar nas
Salésias, mas, com o crescimento do clube, em associados e popularidade,
fazia-se sentir cada vez mais a necessidade de possuirmos "campo
próprio". Uma das primeiras medidas da 1.ª Direcção, eleita a 22-11-1906 e
presidida pelo Dr. Januário Barreto, ocorreu na 2.ª reunião, a 07.02.1907, em
que se deliberou "adquirir um campo atlético privativo do clube".
Em pouco tempo, os jogadores
do Benfica eram considerados os melhores que havia em Portugal e os únicos com
categoria para "dar réplica" aos mestres invencíveis do Cabo
Submarino, o Carcavelos Club. No entanto, não tinham boas condições para
treinar e jogar. As estruturas das Salésias eram muito rudimentares. Como eram
terrenos públicos, serviam vários fins, entre os quais exercícios de soldados e
cavalaria dos regimentos militares de Belém, o que deixava frequentemente o
piso em muito mau estado.
Por
outro lado, os espectadores incomodavam muitas vezes os jogadores, sobretudo a
"soldadesca" que assistia a treinos e desafios, visto que o campo
constituía a cerca de um quartel. Este panorama era muito desagradável,
sobretudo para alguns atletas do nosso clube, que também eram militares e de
patente mais elevada... Com o desenvolvimento das suas capacidades futebolísticas,
a par da afirmação profissional, não agradava aos nossos jogadores andar com
equipamentos às costas e por balneários ao ar livre, sem comodidade nenhuma -
"já não tinham idade nem posição social para rapaziadas".
Com a garotada a assistir,
bola que saísse fora das "quatro linhas", era uma trabalheira para a
trazer de volta ao campo, pois a rapaziada apanhava-a e queria brincar com ela.
Havia, também, o perigo de alguns espectadores correrem pelo campo, provocando
acidentes entre eles e os jogadores. António Rosa Rodrigues chegou mesmo a
fracturar um braço, tendo, na sequência do acidente, partido a perna a um rapaz
que atravessou inadvertidamente o terreno de jogo. O incidente provocou a
intervenção da Polícia, tendo o nosso atleta prestado contas na esquadra de
Belém, já que os terrenos eram públicos e deviam ser utilizados "com
urbanidade", ou seja, de modo a não serem provocados desacatos. Havendo
acidentes, teria de se responder por eles.
Com
dificuldade em conseguir espaços em Lisboa para praticar futebol, o nosso
clube, na temporada de 1906/07 - a 3.ª da nossa história desportiva -,
utilizou, como os restantes clubes da cidade, campos alheios para jogar
futebol. Entre estes, contavam-se a Quinta Nova, em Carcavelos (o único campo
atlético privado em Portugal, que pertencia às instalações do Cabo Submarino e
onde jogava o Carcavellos Cricket and Football Club - utilizado para o futebol
desde os anos 90 do séc. XIX) e o campo da Cruz Quebrada, pertencente aos
ingleses do Lisbon Cricket Club, que também praticavam futebol.
O clube continuou a procurar
terrenos na área de Belém. Todavia, por não existirem espaços ou pelo facto de
os arrendamentos serem demasiado dispendiosos, nunca foi possível conseguir o
tão desejado campo próprio, nem mesmo fora de Belém. A solução viria a ser
encontrada em Benfica, onde existia um clube - o Grupo Sport de Benfica -, que
tinha um razoável campo de jogos, na Quinta da Feiteira, apesar de não possuir
bons jogadores de futebol...
Nas Terras do Desembargador,
terreno neutro, disputámos 6 jogos, em que somámos 5 vitórias, e um total de
13-2 em golos. Actualmente, estes terrenos estão integrados, devido ao
alargamento das instalações, na "parada" do Quartel das Oficinas
Gerais de Material de Engenharia, do Exército, a norte da Rua do Embaixador,
entre a Travessa das Zebras e a Rua Alexandre de Sá Pinto.
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